Quando as leis dançam swing

O sistema partidocrata em Angola, ao aprisionar a justiça de um país, cega-a, irremediavelmente! Aos homens do Direito, magistrados judiciais e do Ministério Público e, principalmente, em situação em que as leis dançam swing, aos juízes do Tribunal Constitucional, compete, individual ou colectivamente, sem subjugação ideológica, verificar se determinada norma se tornou desconforme ou inconstitucional, ao ponto de perverter, adulterar e inverter o pensamento inicial do legislador, quanto ao alcance substantivo material, conferido pela Constituição, ainda que esta, como é o caso angolano, seja atípica.

É intrigante a visão, a eficácia e o sentido jurídico dos juízes do Tribunal Constitucional (a maioria nomeada pelo Presidente da República, sem ser constitucionalista!!!), nas vestes de Tribunal Eleitoral, quanto à legalização de novos partidos políticos.

O consulado de João Lourenço acirrou as dificuldades, para impedir o surgimento de outros ente-jurídicos partidários, como nunca antes, no consulado de José Eduardo dos Santos, esgrimindo argumentos fúteis, se analisados os últimos acórdãos, caricatamente, todos com a mesma matriz, vírgulas, números, colunas, só mudando os nomes dos destinatários, mas, no final, seja transversal a todos, o efeito condenatório: NÃO LEGALIZAÇÃO!

Daí emergir a natural suspeição: “São juízes ligados ao MPLA e com orientações do seu líder, para nos chumbar!” Outros vão mais longe: “Isso é discriminação e tribalismo, porque o presidente João Lourenço tem medo da nossa capacidade, então utiliza os juízes e tribunais, para assassinar, politicamente, os adversários “.

Verdade ou mentira, tudo incrimina.

Diante deste chorrilho acusatório, o disco duro mental dos magistrados deveria reajustar-se, para não se colocarem como os vilões do direito positivo angolano, num momento em que a expressão partidocrata, não deveria suplantar a natureza jurídico-constitucional.

Na cabeça dos mais cépticos, incluindo dirigentes do MPLA, não colhe, logo é suspeito, que nenhuma comissão instaladora de partido político, sendo Angola dos países mais caros para a sua constituição, peregrine o território, angarie mais do que o exigível, por lei, mas no final é confrontado, pela suspeita ladainha de não ter conseguido, transpor a severa barreira das 7500 assinaturas válidas…

Mas, afinal, a lei, exige mesmo este score? É peremptória, obrigando a atingir-se as 7500? Não!

E aqui reside o “nó górdio”, pois a Lei dos Partidos Políticos é facultativa, no máximo e no mínimo, bastando uma análise mais apurada e desapaixonadamente, do alcance do n.º 1 do artigo 14.º da Lei 22/10 de 3 de Dezembro, quanto aos contornos essenciais: linguístico e jurídico.

ARTIGO 14.º
(Pedido de inscrição)

1. “A inscrição de um partido político é feita a requerimento de, no mínimo de 7500 cidadãos, maiores de 18 anos e no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos, devendo, entre os requerentes, figurar, pelo menos, 150 residentes em cada uma das províncias que integram o País”.

Diante deste quadro urge a discussão: É esta uma norma peremptória em relação ao “quantum” exigível ou estamos diante de uma interpretação extensiva, em relação as 7500 assinaturas, vez que a norma fala de: (…) “a requerimento de, no mínimo de 7500 cidadãos, maiores de 18 anos”(…)?

Ora o mínimo, em direito, não é figura imperativa de ter de ser, mas de poder, aproximar, não estar distante, podendo mesmo significar, que 6.500 ou 7000, estão dentro da rácio, logo bastantes, para o culminar do objecto pretendido: inscrição de partido político, no escopo da Constituição…

E, mais adiante, no mesmo artigo, existe outra contradição jurídico-normativa constitucional, que pode parecer insanável, ou sanável. de acordo com uma imparcial e justa interpretação, quando refere: (…) “entre os requerentes, figurar, pelo menos, 150 residentes em cada uma das províncias que integram o País”.

Como se verifica, este articulado torna ainda mais discutível, a qualquer homem de direito, com higiene intelectual, uma assertiva correcta.

Na busca da sã justiça e do que pugna a Constituição é imperioso que a participação na gestão da coisa pública, por parte do cidadão, não seja limitado, por uma lei, restritiva ou de guilhotina, inviabilizadora do sonho constitucional do art.º 4.º (Exercício do poder político):

1. O poder político é exercido por quem obtenha legitimidade mediante processo eleitoral livre e democraticamente exercido, nos termos da Constituição e da lei.

2. São ilegítimos e criminalmente puníveis a tomada e o exercício do poder político com base em meios violentos ou por outras formas não previstas nem conformes com a Constituição.

Ademais, o rigor e a cientificidade jurídica, assenta no didactismo do legislador, calcinada no art.º 17.º (Partidos Políticos):

1. Os partidos políticos, no quadro da presente Constituição e da lei, concorrem, em torno de um projecto de sociedade e de programa político, para a organização e para a expressão da vontade dos cidadãos, participando na vida política e na expressão do sufrágio universal, por meios democráticos e pacíficos, com respeito pelos princípios da independência nacional, da unidade nacional e da democracia política.

2. A constituição e o funcionamento dos partidos políticos devem, nos termos da lei, respeitar os seguintes princípios fundamentais: a) Carácter e âmbito nacionais; b) Livre constituição; c) Prossecução pública dos fins; d) Liberdade de filiação e filiação única; e) Utilização exclusiva de meios pacíficos na prossecução dos seus fins e interdição da criação ou utilização de organização militar, paramilitar ou militarizada; f) Organização e funcionamento democráticos; g) Representatividade mínima fixada por lei; h) Proibição de recebimento de contribuições de valor pecuniário e económico, provenientes de governos ou de instituições governamentais estrangeiros; i) Prestação de contas do uso de fundos públicos.

3. Os partidos políticos devem, nos seus objectivos, programa e prática, contribuir para: a) A consolidação da nação angolana e da independência nacional; b) A salvaguarda da integridade territorial; c) O reforço da unidade nacional; d) A defesa da soberania nacional e da democracia; e) A protecção das liberdades fundamentais e dos direitos da pessoa humana; f) A defesa da forma republicana de governo e do carácter laico do Estado.

4. Os partidos políticos têm direito a igualdade de tratamento por parte das entidades que exercem o poder público, direito a um tratamento imparcial da imprensa pública e direito de oposição democrática, nos termos da Constituição e da lei.

Como se pode depreender, a lei vai mais longe do que o postulado pela Constituição, tornando a criação de partidos muito oneroso (caro), num princípio de discriminação e exclusão dos mais pobres, cuja ampla participação, está limitada, pela Lei dos Partidos Políticos, que deveria obviar a sua existência, como oxigénio imprescindível, numa democracia que se quer participativa, mas infelizmente, inexistente desde 11 de Novembro de 1975.

A sua extinção, capacidade ou não de existência não devem ser limitados pela lei ou juízes, mas repousar no livre escrutínio do eleitor.

O estranho é muitas vezes impedir-se o reconhecimento de partidos com capacidade e base social comprovada, mas legalizarem-se outros (sem qualquer desprimor), cuja massa dirigente e militante, cabem num Toyota Starlet… Exemplos, para quê?

Por esta razão se condena o facto do Tribunal Constitucional, estar prenhe de juízes partidocratas, que abominam a cientificidade e o rigor jurídico-científico, daí terem sido nomeados, nos últimos três anos, pelo presidente do MPLA (que pretende continuar no poder), simultaneamente Presidente da República, em detrimento de juízes constitucionalistas, alguns existentes na própria seara do regime, como Leandro Ferreira, António Paulo, Albano Pedro, que com Carlos Teixeira, Josefa Webba e Maria de Fátima da Silva dariam melhor solenidade, mesmo no qualidade dos indeferimentos.

A imparcialidade da presente análise pode ser aferida no processo de legalização do partido APN (Aliança Patriótica Nacional) de Quintino de Moreira acusado de laranja, do regime, daí ter sido agraciado, pelo Tribunal Constitucional, com facilidades indescritíveis e uma bandeira, semelhante à da UNITA.

E tanto assim é, que o mesmo tribunal, em despacho de indeferimento chumba, tempos depois, Agosto de 2019, a denominação PRA-JÁ, de Abel Chivukuvuku, sob alegação de semelhança com o PRJA, um projecto político de 1994, que nunca passou de simples Comissão Instaladora, que não se legalizou como partido político, logo, não o direito impede comparações com o inexistente jurídico.

Na senda das incongruências jurídicas e perseguições políticas, por parte do judiciário a projectos de constituição de partidos considerados incómodos, basta dar uma olhadela, nos fundamentos dos acórdãos;

553/2018 – Rejeição da inscrição e extinção da Comissão Instaladora do partido PODEMOS-JÁ;

184/2012 – Rejeição de candidatura da Coligação “Voz Democrática” às eleições gerais de 2012;

221/2012 – Rejeição de candidatura da Coligação “UD-CPE” às eleições gerais de 2012;

500/2018 – Rejeição de inscrição da Comissão Instaladora do partido Pomba Branca;

632/2020 – Rejeição da inscrição da Comissão Instaladora do Partido PRA-JÁ – Servir Angola.

Nestes, o que intriga, pela negativa, são as semelhanças, os absurdos, assustadores e atentatórios a natureza de uma instituição, que deveria primar pelo pergaminho jurídico, imparcialidade e berço do saber jurídico.

Como entender, que todos acórdãos banalizem as instituições públicas e respectivos agentes (notários, administrações municipais, administradores) acusando-os de cometimento de ilegalidades administrativas e legais, falsificação de documentos, falsa qualidade, mas, caricatamente, o próprio Tribunal Constitucional, pela omissão e inacção, coloca-se, nas vestes de cúmplice de crimes continuados, na Administração Pública, ao não instaurar nenhum processo-crime, contra os mesmos.

O grave é a guilhotina do Constitucional penalizar o sonho de milhões de cidadãos, que, acreditando numa democracia se esmeram na apresentação de processos de legalização, mas, são excluídos, não por razões jurídicas, mas partidocratas, como o denunciado como tendo ocorrido com os processos dos partidos de Abel Chivukuvuku, PODEMOS JA e PRA-JÁ – Servir Angola, muito por, terem sido relatoras, duas juízas, pioneiras no ofício, sem qualquer traquejo, nos tribunais comuns, de primeira instância, tão pouco na docência universitária, mas com aprumada subserviência partidária.

A ascensão meteórica da jurista Júlia Ferreira ao Tribunal Constitucional, deve-se, segundo analistas, a militância velada, no MPLA, como ao esmero, na fraude, durante as eleições de 2017, a favor do seu partido, enquanto membro da CNE (Comissão Nacional Eleitoral), tendo ficado conhecida por “miss água”, por tanto a ingerir, na troca da contabilidade dos votos. Este foi o prémio e como reconhecimento, denunciam, chumbou, sem fundamentos, o PODEMOS JA.

No segundo caso, Victória Izata vinda do departamento do comité central do MPLA, “sem nunca antes ter instruído, um processo judicial, nem por internet” foi nomeada, juíza relatora do PRA JA e, pasme-se depois de Manuel Aragão, a ter indicado, foi chamada a sede do MPLA, por Luiza Damião, onde foi condecorada, contrariando a própria lei e, na contramão chumbou o PRA-JÁ Servir Angola, também, de Abel Chivukuvuku.

É mera coincidência? Não! É propósito!
Com um tribunal e juízes assim, o porto é: nenhum!

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